domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mães de sempre


Livro que transforma luto em luta traz dados, pesquisas e teses sobre as execuções de mais de meio milhão de jovens em 10 anos nas periferias brasileiras
Por Jéssica Balbino para a Central Hip Hop
Se você for uma pessoa acomodada, não leia este livro. Aliás, pare agora mesmo de ler esta resenha. Mães de Maio é um livro para fortes, feito por gente mais forte ainda, que como o próprio título já fiz, transformaram o luto em luta, dando voz àquelas que perderam as pessoas mais importantes de suas vidas, mas nem por isso, deixaram de se levantar, todos os dias, e despedaçadas, uniram-se a pedaços iguais, montando uma colcha de retalhos que, de tão desigual, transforma-se em uniforme e linear no dia-a-dia dos jovens pretos e pobres, exterminados violentamente pelo Estado.

Denúncias fundamentadas tiram do livro o aspecto de drama pessoal e traz a tona um drama da sociedade brasileira “Por que o Estado, que deveria zelar pelos direitos dos cidadãos, mata, indiscriminadamente?”. O início do livro tem cara de matéria da revista “Caros Amigos”, mas  longe de ser permeado de um discurso esquerdista, traz, em suas primeiras páginas, o depoimento das muitas mães de maio, de abril e todos os meses do ano, que com ou sem os seus filhos, engajam-se numa luta pelo fim da violência gratuita e da guerra civil velada, instalada em nosso país.
A narrativa ao melhor estilo da revista aprimora-se e em alguns momentos, me senti remetida ao Rota 66, do escritor Caco Barcellos. Ali, percebe-se que “Mães de Maio” não achismo combinado a dor, é pesquisa, levantamento de dados, estatísticas. Mas, os filhos mortos não são apenas números. São pessoas, com histórias de vida, sentimentos e mortes assoladoras.   Mas são pessoas.
Em formato pouco convencional, o livro, que traz um assunto de peso, está longe de ser maçante e passeia por ilustrações de Latuff, diagramação diferenciada, poesias de Sérgio Vaz, Rodrigo Ciríaco, Michel Yakini, Marcelino Freire, GOG, entre outros representantes do hip-hop e dos saraus paulistas.
Teses e artigos também não ficam de fora, assim como o intercâmbio com Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo, locais onde autores também relatam mortes praticadas pelo Estado contra jovens negros e periféricos.
Longe de ser planfetário, o livro funciona mais como um grito desesperado, de dor, que vem daqueles que perderam tudo, menos a força para a luta, para acreditar que ainda pode ser diferente e que menos jovens devem/podem morrer nas mãos do Estado caso abramos os olhos,  ignoremos a dor de estômago causada pelos relatos reais e façamos alguma coisa.
Empunhando armas (livros), quem sabe?! Mães de maio foi escrito a muitas mãos e mães que em 10 anos – entre 1998 e 2008 – enterraram 500.000 filhos, segundo dados do “Mapa da Violência”  divulgado em 2011 pelo Ministério da Justiça.
E a luta segue, camuflando o luto, em forma de livro, que, de tão visceral, nos faz enxugar as lágrimas rapidinho e querer partir para a briga também, afinal, somos filhos, pais, cidadãos periféricos, fadados ao extermínio, caso deixemos de agir.O livro encerra-se com uma reportagem de Tatiana Merlino, da “Caros Amigos” e eu fui obrigada a me fazer pergunta: “que mais posso fazer, senão, jornalismo cidadão?”.
A resposta está para quem lê. As mortes seguem, os protestos também. Assim como a “periferia segue sangrando”.
Serviço – Para saber mais sobre o livro e o movimento, acesse o blogwww.maesdemaio.blogspot.com

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